Para rebater aos críticos gastos com a realização da Copa do
Mundo de futebol no Brasil, as autoridades e os especialistas esportivos
rebatiam com a justificativa de que todos os gastos exorbitantes seriam
compensados com as obras de infraestrutura que ficariam.
Chamavam genericamente de "legado da Copa". Só se
falava nisso. Os contrários mais incisivos eram tachados de antipatriota.
Brasileiro queria Copa a qualquer custo.
Em obediência cega a toda poderosa Fifa, os estádios foram construídos
ou reconstruídos. Nada do que existia servia para o padrão-Fifa.
Nos períodos em que eram realizadas as ações da Fifa, o Brasil
angelicalmente abria mão de sua soberania. O que era exigido, era
cumprido.
Dentre as várias exigências, destaca-se a permissão da venda de
bebidas alcoólicas nos estádios, antes terminantemente proibida. Até uma
lei para dispensar as obras de licitações foi aprovada. Essas obras talvez
ainda sejam alcançadas por outra operação Lava Jato.
Além da submissão nacional, nos estados e nos municípios,
moradores foram retirados abruptamente do caminho dos estádios. Patrimônio
tombado deixou de ser. Tudo foi praticado sob o manto do
"legado" que ficaria.
Existem outros "legados" de que somos vítimas de
nosso jeito cultuado de ser. Tem-se o "legado do faz de conta".
Os órgãos de fiscalização são o exemplo principal dele. Não fiscalizam
nada; quando fiscalizam, a corrupção impera. Após as tragédias anunciadas
acontecerem, aí vem o festival de desculpas. O argumento principal é de que aquela
instituição, seja qual for, não tinha autorização para funcionar ou atuar.
Se não tinha, alguém deveria ter impedido de atuar; se
tinha, alguma grana sempre fala mais alto do que as vidas perdidas. É
assim desde o acidente com o Bateau Mouche no Rio de Janeiro, com
acidentes de embarcações nas águas do norte, e com as represas de Minas Gerais.
Depois vem o "legado do não tem jeito". Desde criança,
ouço medidas tomadas para agilizarem a justiça brasileira. A lei e os
juizados de pequenas causas; as eternas reformas constitucionais e a
aprovação de novos códigos. Tudo para dissimular que a justiça é lenta,
porque interessa a muita gente. Cadê o processo eletrônico?
O "legado político da desfaçatez". O presidente da
Câmara, segundo a suceder a presidente da República, diz que não tem conta
na Suíça. Descobre-se que tem mais de uma e há muito tempo. Não é dono, só
beneficiário. Quem não queria ser reserva assim! Depois, foi um empréstimo
de milhões, sem nenhum documento.
O filho do falecido teria depositado; não depositou. Não
teria movimentado as contas; movimentou. E continua
presidente; apoiadíssimo pela Casa representativa do povo brasileiro. E,
assim, segue nosso hábito de construir "legados". As mortes
diárias com balas perdidas no Rio de Janeiro, a falta de energia a cada
chuva em São Paulo e tantos outros.
De concreto do "legado da Copa", ficaram o esqueleto
do trem de Cuiabá, os elefantes brancos dos estádios, consumindo milhões
na manutenção sem retorno algum...
Em São Paulo, como "legado" da Copa de 2014, ficou uma
mensagem, em inglês, nos metrôs avisando a próxima estação -
"néquisti istechion" - e a certeza de que a presidente
Dilma Rousseff nunca mais irá a uma abertura de um grande evento.
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