O medo da morte é ancestral. A alta tecnologia que permite
o prolongamento da vida é um adicional pós-moderno, que assombra e exige muito
dos que pensam a bioética. E exige muito dos que como eu, entendem nada de
medicina, mas entendem de sentimentos.
Aparelhos de precisão nos diagnosticam, mãos habilidosas e cada
vez mais especializadas nos operam, remédios sofisticados dão conta da doença,
efeitos colaterais dolorosos vêm no rastro, aparelhos hospitalares dão suporte
à vida a qualquer custo, sem que muitos pacientes terminais possam
manifestar-se contra a prática do prolongamento da vida.
O último direito que um paciente terminal tem é cerceado quando
não pode manifestar claramente sua vontade. Há poucos profissionais treinados
para auscultar sentimentos. O fim da vida é algo delicado demais para que a
vontade de quem está à morte seja negligenciada. Morrer junto a estranhos,
mesmo que atenciosos, não é a mesma coisa que morrer junto à família como quase
sempre foi permitido.
Os valores pessoais devem vir antes da tecnologia o que exige um
preparo especial de quem lida com o final da vida. A escuta cuidadosa e o
conhecimento do que traz conforto às pessoas deve vir antes da ânsia por
sobrevida. Medicamentos paliativos estão para um paciente terminal, como a
prevenção está para a qualidade de vida.
Profissionais da saúde que lidam com a vida terminal devem ser
tão reconhecidos, quanto os que previnem de forma efetiva o aparecimento de
doenças.
A medicina paliativa pode e deve ser implantada na maioria dos
hospitais, por que estará priorizando a compaixão antes da tecnologia.
Proporcionar conforto a alguém que vai morrer é ajudar essa pessoa a superar a
dor, a falta de ar e a solidão. Morrer em uma UTI deve ser algo excepcional e
não a regra.
Aparelhos sofisticados devem prolongar a vida de quem tem uma
vida para prolongar. Velhinhos e velhinhas devem ter o direito de morrer.
Ajudamos a cuidar de algumas pessoas velhas na família. Por
vezes assistimos à morte de um (a) deles (as), mas, no desespero de não perder
quem amávamos, chamamos ambulâncias e vimos nossos queridos serem
ressuscitados, para assistirmos mais alguns anos de sofrimento, que, sem
técnicas de ponta, teriam permitido a morte em casa, em paz.
Este é um assunto delicado, mas que temos a obrigação de
enfrentar. A morte faz parte da vida e, acho importante, devemos manifestar
nossa vontade enquanto tivermos lucidez. Cabe conversar, ponderar, para que
nosso direito à morte seja respeitado.
Doing role significa viver o processo de morrer. Temos o direito
de, mesmo no fim, estabelecer relações, contar histórias de vida, rememorar o
que nos fez felizes. Enfim, os velhinhos e velhinhas, assim como os pacientes
terminais, querem finalizar suas vidas de uma forma participativa, exercendo o
que lhes resta de vida confortável e respeitosamente.
Somos humanos em um processo longo e duro de evolução. Fugir de
assuntos dolorosos não nos ajuda a evoluir, pelo contrário, nos deixa isolados
e á mercê do que é frio e tecnológico, sem o calor dos sentimentos amorosos e
de pertencimento.
Assim como presenciei procedimento “heroicos” de prolongamento
da vida a qualquer custo, entrei em contato com muita sensibilidade por parte
de quem cuida da vida com muita compaixão. Espero que o assunto seja pensado em
todos os níveis das ciências.
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