As consequências desse
comportamento
Para
amenizar este tema, conto-lhes uma inocente estória sobre dois caboclos
compadres, que ao final da tarde, sentados na porta da casa de um deles,
preparando a palha e cortando o fumo para o cigarro que iriam desfrutar, um
deles disse:
–
Compadre, sou um homem honesto, não bebo, não fumo, trabalho muito, pago minhas
contas em dia, não traio minha mulher, mas tenho um grande defeito, compadre:
sou muito mentiroso.
Mentira
é o ato ou efeito de mentir, engano, falsidade, fraude, indução ao erro. É
verdade ou é mentira que vivemos em uma sociedade que adotou a mentira como
regra e a verdade como exceção? A mentira virou verdade? Os mentirosos são mais
felizes e quem fala a verdade sofre e às vezes, corre perigo?
Perguntas
ou afirmativas fortes, pessimistas? O preceito bíblico “Conhecereis a Verdade e
a Verdade vos libertará” tão difundido especialmente por religiosos, que muito
mentem nos altares, púlpitos e sermões, não é levado como verdade por aqueles
pregadores de ilusão para nós, quando nos prometem o que Jesus nunca prometeu.
O
escritor Affonso Romano produziu em 1984, o poema intitulado “A Implosão da
Mentira”, que dele retiro algumas estrofes, que verdadeiramente traz, sobretudo
nos tempos atuais de corrupção desenfreada no Brasil, muitas verdades, assim
produzidas:
“Mentiram-me.
Mentiram-me ontem e hoje mentem novamente. Mente de corpo e alma,
completamente. E mentem de maneira tão pungente que acho que mentem
sinceramente. Mentem, sobretudo, impune/mente.
Não
mentem tristes. Alegremente mentem. Mentem tão nacional/mente que acham que
mentindo história afora vão enganar a morte eterna/mente. Mentem. Mentem e
calam. Mas suas frases falam. E desfilam de tal modo nuas que mesmo um cego
pode ver a verdade em trapos pelas ruas.
Mentem
como a careca mente ao pente, mentem como a dentadura mente ao dente,
mentem como a carroça à besta em frente, mentem como a doença ao doente, mentem
clara/mente como o espelho transparente. Mentem deslavadamente.
Mentem
com a cara limpa e nas mãos o sangue quente. Mentem ardente/mente como um
doente em seus instantes de febre. Mentem fabulosa/mente como o caçador que
quer passar gato por lebre. E nessa trilha de mentiras a caça é que caça o
caçador com a armadilha.
E
assim cada qual mente industrial/mente, mente partidária/mente, mente
incrível/mente, mente tropical/mente, mente incontinente/mente, mente
hereditária/mente, mente, mente, mente.
E
de tanto mentir tão brava/mente constroem um país de mentira diária/mente.
Mentem no passado. E no presente passam a mentira a limpo. E no futuro mentem
novamente.
Penso
nos animais que nunca mentem. Mesmo se têm um caçador à sua frente. Penso nos
pássaros cuja verdade do canto nos toca matinalmente. Penso nas flores cuja
verdade das cores escorre no mel silvestremente. Penso no sol que morre
diariamente jorrando luz, embora tenha a noite pela frente. Para tanta mentira
só mesmo um poema explosivo-conotativo onde o advérbio e o adjetivo não mentem
ao substantivo e a rima rebenta a frase numa explosão de verdade.”
Um
momento seríssimo não observado na formação das próximas gerações. Todos nós
anestesiados e praticantes da mentira e as aceitamos elegendo mentirosos para
nos representar politicamente. Nunca se mente tanto em véspera de eleições e no
horário eleitoral gratuito da tv.
O
oitavo mandamento, reza “Não levantarás falso testemunho”, outrora esculpido em
pedra, hoje no lixo. Parece que ninguém vive sem mentir. O Papa Paulo IV que
viveu de 1476 a 1559, reconheceu como é humano violar o oitavo mandamento
dizendo “O mundo deseja ser iludido, pois que o seja, então”.
Pesquisadores
sobre a mentira confirmam e vão além, “por trás de cada mentira esconde-se
processos complexos, sem os quais talvez a convivência humana não fosse
possível”. Então, a verdade ou mentira, é que os políticos são campeões e
diariamente mentem com transparência e convencendo a muitos.
A
mídia diariamente mente com anúncios mirabolantes e mágicas de medicamentos que
vendem saúde e milagres que prometem corpos esbeltos estimulando o uso do
álcool e cigarro. Uma propaganda enganosa sugerindo prazer, prestígio, beleza,
quando na verdade são causadores de doenças.
As
telenovelas, como mentem, e o pior, promovem os contra valores, promiscuidade,
ambição, desarmonia familiar, violência, como este famigerado “Big Brother”,
uma casa do mal, incrivelmente com alto índice de audiência através de
telespectadores que condenam a mentira. Os religiosos mentem vendendo milagres
em dia e hora marcados.
A
autoridade maior do Brasil e seus antecessores, Presidentes da República
mentiram sempre, e a atual, de viva voz, mentiu na campanha política. Nós até
comemoramos o Dia Internacional da mentira, 1º de abril de todos os anos.
Poderíamos
estender, como há produções literárias e médicas em vasta quantidade, este tema
que apresentamos neste artigo para uma meditação sobre os tempos em que vivemos
e o ser humano que dele faz parte.
Concluo
buscando o livro de Roberto Feldman intitulado “Quem é o Mentiroso de sua vida?
Por que as pessoas e como isso reflete o nosso dia a dia”. O autor diz que recorrer
aos desvios da verdade, além de ser quase uma questão cultural, é um recurso de
sobrevivência social. Lamentavelmente as mentiras são aprendidas em casa pelas
crianças, desde cedo com os próprios pais.
Então,
é verdade ou mentira, que ninguém vive sem mentir?
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