O ano mal
começou e já temos uma nova lei penal em vigor, qual seja, a 13.228/2015.
Referida lei, que teve como base o Projeto de Lei da Câmara 23/2015, cria uma
nova qualificadora no Código Penal, especifica para o crime de estelionato, eis
que, segundo o novo parágrafo quarto do artigo 171, as penas serão dobradas
quando a vítima for idosa. De fato, enquanto o estelionato comum continua sendo
punido com penas que variam de 1 a 5 anos de reclusão, a pena passará a ser de
2 a 10 anos de reclusão quando a vítima for pessoa idosa.
A nova
lei foi publicada no último dia 28 de dezembro e sob o enfoque do legislador, o
incremento das penas tem sua justificativa no fato de que o idoso, por conta de
diversos fatores, está mais propenso a ser vítima de fraudes e golpes.
Contudo,
em que pesem as boas intenções do legislador, fato é que a nova lei, além de
desnecessária, também pode gerar conflitos com as disposições do Estatuto do
Idoso (Lei 10.741/2003).
De
efeito, em primeiro lugar, trata-se de norma desnecessária porque o nosso
Código Penal já previa, no artigo 61, inc. II, “h”, uma agravante específica
para os casos em que a vítima fosse idosa. Ou seja, na prática, a pena do
estelionato contra idoso já seria aumentada (embora o C.P. não determine
quanto), naturalmente.
Outrossim,
sob um segundo aspecto, cumpre dizer que a nova lei conflita, ao menos
aparentemente, com o Estatuto do Idoso.
Como
cediço, o predito estatuto não só definiu o que se entende por “idoso” na nossa
legislação (isto é, pessoa com mais de 60 anos de idade), como também previu
diversos mecanismos legais para aumentar a proteção à pessoa idosa, em diversas
esferas.
Pois bem,
no corpo daquela Lei, já existe um capítulo específico que prevê diversos
crimes praticados contra os idosos.
Nesse
ponto, merecem destaque os artigos previstos nos artigos 102 (“Apropriar-se de
ou desviar bens, proventos, pensão ou qualquer outro rendimento do idoso,
dando-lhes aplicação diversa da de sua finalidade” – pena de reclusão, de 1 a 4
anos) e 106 (“Induzir pessoa idosa sem discernimento de seus atos a outorgar
procuração para fins de administração de bens ou deles dispor livremente” –
pena de reclusão, de 2 a 4 anos), do Estatuto do Idoso, que tratam, justamente,
da proteção penal do patrimônio da pessoa idosa.
É bem
verdade que o Estatuto do Idoso não prevê o crime de estelionato,
especificamente. Porém, tanto o artigo 102 quanto o 106 já conferiam uma
razoável proteção legal ao patrimônio do idoso e, em certa medida, até
abarcavam hipóteses semelhantes ao “stelio”.
O
estelionato, como bem se sabe, tem na fraude a sua maior característica. Aliás,
é justamente em razão da fraude empregada pelo agente que a vítima, sem
perceber que está sendo enganada, acaba entregando seus bens, graciosamente, ao
estelionatário.
Até bem
por isso, diante daquilo que já existe na nossa legislação, não será difícil
confundir, na prática, o artigo 102 do Estatuto do Idoso com o novo parágrafo
quarto, do artigo 171, do CP (sobretudo no que diz respeito ao “desvio de
bens”). Afinal, nada impede que o agente, mediante fraude, desvie, assim
emprestando-lhes destinação diversa, “bens, proventos, pensão ou qualquer outro
rendimento do idoso”, de que já tinha a posse ou aos quais tenha acesso
legitimamente.
Em casos
que tais, a diferença entre os delitos é sutil, sendo certo que as penas
previstas para as condutas aqui analisadas são bem diversas. Caberá ao
intérprete da lei penal ter muito cuidado ao analisar a situação fática, tudo
de modo a se evitar punições exageradas e desproporcionais.
Já no que
diz respeito ao artigo 106, do Estatuto do Idoso, a questão é ainda mais
complexa. Isso porque, não raro, o “golpe” aplicado poderá ter como base,
justamente, o induzimento da “pessoa idosa sem discernimento de seus atos a
outorgar procuração” ao agente, que objetiva, justamente, administrá-los ou
“deles dispor livremente”.
Sendo
assim, nas hipóteses em que o suposto estelionato estiver fundado em uma
procuração outorgada pelo idoso, qual delito irá prevalecer?
A
resposta poderá até causar certa perplexidade, afinal, se o idoso não possuir
“discernimento de seus atos” (por questões de saúde), seria correto enquadrar o
agente no artigo 106, do Estatuto do Idoso (por conta da estrita legalidade e
especificidade), cujas penas variam de 2 a 4 anos. De outro lado, se a vítima,
ao outorgar a procuração ao agente, possuir pleno discernimento dos seus atos –
o que seria uma conduta menos grave do que aquela do artigo 106 -, ao agente
será aplicado o novo parágrafo quarto do artigo 171, do C.P, cujas penas são mais
severas.
Enfim,
embora ainda seja cedo para tecer grandes considerações a respeito, não seria
nada equivocado afirmar que a nova lei, embora alicerçado em justificáveis e
nobres razões, é apenas mais uma lei penal, dentre tantas já existentes, que
mais serve para confundir do que para resolver.
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