Moscas-do-vinagre
permitem compreender processos genéticos mais gerais, caso das barreiras
biológicas
Sabe-se
que o cavalo e o burro pertencem a espécies diferentes mas podem cruzar-se e
ter descendentes, a mula e o macho, que, no entanto, são estéreis. Há mais
casos semelhantes no reino animal, e é através do estudo destes casos que os
cientistas tentam explicar como e por que razão aparecem novas espécies.
Cientistas
nos Estados Unidos descobriram agora um gene responsável por barreiras à
reprodução entre duas espécies de moscas-do-vinagre. Surpreendentemente, este
gene pode também estar relacionado com o desenvolvimento de câncer.
“Dizemos
que existem espécies novas quando existem barreiras que impedem que se cruzem
entre si”, explica Nitin Phadis, primeiro autor do artigo na última edição da
revista Science e investigador da Universidade de
Utah, em comunicado de imprensa. “Identificar os genes e desvendar a base
molecular da esterilidade ou morte dos híbridos é chave para compreender o
aparecimento de novas espécies.”
Os
cientistas descobriram que o gene chamado “gfzf”
– cuja acção normalmente impede que células com danos no DNA se dividam – está
também envolvido nas barreiras biológicas à reprodução entre duas espécies
muito próximas de moscas-do-vinagre, causando a morte dos machos híbridos.
CICLO
CELULAR
Utilizadas
como modelos de investigação, as moscas-do-vinagre permitem compreender
processos genéticos mais gerais, neste caso sobre as barreiras biológicas entre
espécies distintas e o aparecimento de novas espécies.
“A
verificação do ciclo celular por genes como gfzf tem
um papel importante na correcção de erros durante o ciclo celular, que, caso
não sejam corrigidos, podem causar câncer. O nosso trabalho sugere que a
especiação e a biologia do câncer podem fazer parte do mesmo contínuo de
processos biológicos”, diz Harmit Malik, líder do projeto e investigador do
Centro Fred Hutchinson de Investigação do Cancro, também em comunicado.
A
mosca-do-vinagre é muito usada para estudos genéticos e desde 1910 que os
cientistas tentam descobrir as causas das barreiras à reprodução entre duas
espécies muito próximas de mosca-do-vinagre – as espécies irmãs Drosophila
melanosgastereDrosophila
simulans que, quando
cruzadas entre si, só têm filhas, que são estéreis.
Os machos morrem durante a
fase larvar. Outros estudos já tinham identificado dois genes envolvidos na mortalidade
dos machos, mas como a sua acção não explicava totalmente o fenómeno previa-se
que existisse um terceiro gene. Este estudo poderá agora desvendar este enigma
com mais de um século.
Através
de 55.000 cruzamentos entre moscas das duas espécies com mutações pontuais e da
análise de mais de 330.000 filhas híbridas, os cientistas descobriram seis
filhos machos híbridos que conseguiram sobreviver.
A análise
de todo o genoma destes machos revelou que todos tinham mutações no gene gfzf.
Tinha-se encontrado o gene que era o responsável pela morte dos machos. E que,
quando possuía mutações que o desactivavam, permitia a sobrevivência dos machos
resultantes do cruzamento entre as duas espécies de moscas.
“Não
seria possível resolver este mistério com as abordagens genéticas tradicionais.
Foi preciso uma abordagem totalmente nova, através da análise de todo o
genoma”, conta Harmit Malik. Agora os cientistas pensam que os métodos que
utilizaram poderão acelerar a descoberta da base genética do isolamento reprodutor
noutros grupos animais.
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