terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Combate ao bullying agora é lei

Com a normativa, o problema não poderá ser reduzido à brincadeira de mau gosto.
Respeito também é saúde pública. É equilíbrio. E não tem idade. Muito se ouve que bullying é assunto de criança. Equívoco. O bullying foi tratado, durante anos no Brasil, com negligência. Fosse por intenção ou falta de conhecimento, ele ficou em um canto, distante do centro das discussões sobre educação, assombrando suas vítimas - que também isolavam-se das pessoas.
Sem nome, esteve camuflado em “brincadeiras de mau gosto”. A partir do próximo ano letivo, porém, sua visibilidade estará dentro da lei. No período, as instituições de ensino públicas e privadas de todo o país deverão oferecer projetos educacionais de combate ao bullying - o termo em inglês dá sentido à intimidação sistemática.
No Ensino Fundamental, a menina de então 12 anos era vítima de piadas e escárnio por parte de um colega de aula. Demorou para que a escola onde estudava entendesse que seu comportamento reservado não era apenas uma característica de sua personalidade, mas atestado do quanto estava infeliz. A “brincadeira de mau gosto”, repetida diariamente e sem motivo, chegou a levá-la ao médico.
Ela lembra que ir à escola era um transtorno. Entre lágrimas, a pré-adolescente confundia a família. Nos primeiros episódios, silenciava o que lhe acontecia. Até que a reprise passou a ser frequente. A mãe, Izabel, não entendia o que passava no universo da primogênita.
“Até que foi tomando proporções grandes”, conta a mãe. As perguntas que a família lhe faziam não eram respondidas. A cada ida à escola a menina se fechava mais um pouco à realidade cotidiana. Era um peso levar os pés até a porta de casa, pois sabia que encararia mais uma jornada em sala de aula. Mais um dia alvo de apelidos pejorativos sobre seu modo de vestir e se comportar. O colega que a humilhava chegou a agredi-la com empurrões até fora da escola. Fragilizada, desabafou.
Depois de virem à tona, as reclamações se intensificaram. “Fui até a escola perguntar se ela também era agressiva. Eu não entendia por que ele faria isso sem motivo”, alega Izabel. No entanto, a resposta era negativa. A menina não tinha problemas entre colegas e também não era indisciplinada em aula. Para complementar a estranheza, mantinha em nível alto suas notas no boletim, mesmo em meio ao caos que passou a viver desde a pré-adolescência.
A jovem pediu para trocar de escola, mas a solicitação não foi atendida de início. “Eu achava injusto ela, boa aluna, sair da escola, sendo ele quem causava o constrangimento”, justifica a mãe. Não demorou para que ela tivesse tratamentos periódicos em clínicas de psicologia e psiquiatria - embora ambos não correspondessem ao orçamento da família. A saída para atender à saúde da filha foi reavaliar finanças. Aos 13 anos, foi orientada a tomar antidepressivo. Até hoje, em uma escola diferente, não tem grupo de amigos.
Sua vida social continua restrita, pelo medo do deboche. Os poucos amigos a acompanham desde os primeiros anos ou são familiares ou filhos de amigos da mãe.
Conhecer o problema para enfrentá-lo
A pedagoga Simone Maraninchi desde 2006 desenvolve debates sobre bullying. Em agosto deste ano formou um grupo de estudos, com a participação de pais de estudantes - entre eles, Izabel e a filha -, psicólogos, professores e outros profissionais interessados em problematizar o cenário. Simone identifica pouco preparo dos professores em relação ao bullying. Ela não critica a conduta dos educadores, em contrapartida, lamenta a pouca disponibilidade de colocar o assunto em debate - possivelmente, por falta de conhecimento do que é bullying e do que ele pode causar.
Enquanto membro do corpo docente de instituições, relata que uma das dificuldades identificadas no meio escolar é a generalização do problema: “Muitos encaram que tudo ou nada é bullying. Por isso é importante que haja um espaço específico nas escolas para poder lidar com a situação”. Simone comemora a legislação nacional, com expectativa de que seja cumprida, diferentemente do que acontece com as leis municipal e estadual.
Ainda não há definição de como ocorrerá a fiscalização, porém, colocar o assunto em destaque já é uma vitória para quem convive e trabalha com o problema.
No Colégio Doutor Cassiano do Nascimento, no Centro, algumas alunas na faixa dos 14 aos 17 anos garantem não testemunhar casos de intimidação. Uma delas, no entanto, conta que nos anos anteriores, no Ensino Fundamental, a personalidade introspectiva era alvo de humilhação. “Eu sofria por ser quieta, porque aprendo melhor em silêncio. Aí chegava em casa e chorava.” A coordenadora pedagógica da instituição, Deise Bonnel Amado, reconhece que a intimidação - bullying - sempre existiu, mas recentemente ganhou identidade. “Ensinamos os alunos a respeitarem uns aos outros. Vejo que entre os mais velhos não é tanto como com os menores”, aponta.
Com alunos mais jovens, a Escola Piratinino de Almeida trata o bullying na grade curricular. O corpo docente da instituição de Ensino Fundamental, liderado pela diretora Cristina Martins, é orientado a aplicar lições sobre diferenças e, assim, tentar incentivar o respeito entre os alunos. Por exemplo, em textos interpretativos das aulas de Língua Portuguesa o tema é abordado.
“Não tem como separar o bullying do cotidiano do colégio”, afirma. Apesar de a escola se empenhar em acrescentar o debate na grande curricular, não existe um projeto específico sobre intimidação sistemática.

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