Há
condições que pode ficar irreversível
Na minha prática médica
psiquiátrica isso tem sido um fato. O que acontece muito é o seguinte:
paciente apresenta diátese bipolar (tendência genética para ter a doença), Às
vezes tendo começado com surto paranoide bipolar na adolescência (“estão falando
de mim”, “me olham na rua”, “dizem que ando como mulher”, “parece que estou
fedendo”, “gente rondando aqui em casa”, “barulhos no telhado”, “passam na rua
e me xingam”.
Começa a
fumar (ou já fumava antes por causa da depressão e ansiedade) e começa a
“esquizofrenizar” o que antes era uma “psicose paranoide”, ou era
daqueles tipos de “delírios sensitivos de referencia de Kretschmer”.
Dados da
literatura médica mostram que até 80% dos esquizofrênicos são adictos do
tabaco, isso já é um começo de conversa. A nicotina atua numa área crítica para
a esquizofrenia, prosencéfalo basal, nucleo de Meynert, accumbens. Aumenta a
dopamina que é um neurotransmissor que se encontra altamente implicado no
surgimento de psicoses.
É como se
fosse um “estimulante” altamente potente de determinadas áreas cerebrais,
límbicas por exemplo, e este estímulo (que é amplificado pela tendência
genética para a bipolaridade) faz com que o indivíduo julgue determinadas
vivências como se fossem realidade. Começa a interpretar vivências próprias,
muitas vezes com uma característica oniróide (“meio que de sonho”), como se
fosse realidade, surgindo aí o delírio.
A partir
desta “inundação de vivências delirantes”, o eu do indivíduo vai sendo apagado,
o indivíduo vai se transformando um “robô” face à suas vivências, vivências
estas que logo ele passa a julgar como externas, impostas pelos outros, e
portanto, persecutórias.
Todo este
processo pode acontecer só por fatores biológicos-genéticos, e, neste caso, a
nicotina pode amplificar esta ação patológica, “esquizofrenizando” o que
poderia ser uma “simples psicose bipolar”, bem mais fácil de tratar.
Este
estudo está dentro de nossa hipótese de que a esquizofrenia, doença
supostamente autônoma, seria, na verdade, uma “variante mais grave da doença
bipolar”, o que pode ser interpretado, desde Zeller e Griesinger, autores
ainda do século XIX, como a hipótese da “psicose única”.
Em muitos
casos de nossa prática clínica nós notamos que uma doença bipolar inicial
pode “complicar-se” como esquizofrenia e um dos fatores seria o do tabagismo.
Já tivemos vários casos assim. É importante diagnosticar e atuar nesta condição
rapidamente, pois, com o tempo, a condição pode ficar irreversível, crônica,
uma vez que substâncias bioquímicas podem causar verdadeiras “lesões neuronais”
(vide p.ex., o caso da “discinesia tardia”).
Por outro
lado, a nicotina, por vários motivos, impede o correto tratamento da doença
bipolar:
1-atua no sistema hepático microssomal, atrapalhando o metabolismo
das medicações psiquiátricas.
2- atua no sistema cerebrovascular, levando a lesões arteriais que
irão comprometer o funcionamento psíquico.
3- atua diretamente no neurônio, “bagunçando” vários de seus
sistemas de neurotransmissores, p.ex., acetilcolina, dopamina, endorfinérgicos,
sigma, norepinefrínicos, hidroxitriptamínicos, etc.
4- piora o funcionamento pulmonar, levando à doença pulmonar
obstrutiva crônica, piorando assim a hematose, levando à acidose respiratória,
fator de risco para doenças mentais (por exemplo, a acidose pode precipitar
ataques de ansiedade paroxística, depressão, pânico, etc ).
5- tem ação direta psicoestimulante cerebral, vindo a piorar
estados de ansiedade, depressão. Os pacientes, de início, sentem-se “mais
calmos”, mais centrados, mais concentrados, até menos depressivos, mas, a médio
e longo prazos, vêm a piorar destas condições. Quando acontece esta “piora”,
aí, muitas vezes, já é tarde, pois tais depressões, ansiedades, psicoses,
situações cognitivas já estão cronificadas e fixadas.
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