Começo com três perguntas ao leitor:
1) quantos terrenos sem uso você vê quando
transita pela sua cidade?;
2) você sabia que, desde a Constituição de
1946, foi normatizado o conceito de “função social da propriedade privada”?
3) você sabe quanto custa ao proprietário
manter um terreno ocioso?
Agora, avancemos à questão principal, para a
qual busco trazer ao debate neste texto. Em grande parte das cidades, durante
seu processo de crescimento populacional, a tendência é de que os espaços mais
centrais sejam mais densamente ocupados, seja por áreas residenciais ou
comerciais e de serviços.
E que a própria área mais urbanizada vá se
expandindo. Consequentemente, aquelas áreas anteriormente destinadas a pequenas
hortas, pomares e granjas, produzindo alimentos para consumo próprio e
comercialização, vão sucumbindo a esta nova ocupação de espaços. Assim, as
áreas produtoras passam a estar cada vez mais distantes dos grandes centros
consumidores.
Isso traz, entre outras consequências, um
aumento dos custos de transporte (pela maior distância) e mesmo “quebra” de
alimentos durante este mesmo transporte. Mais ainda: torna as cidades menos
verdes (ou mais cinzentas?), menos permeáveis, menos saudáveis, bem como
afastam as populações do convívio com a natureza. Fácil constatar esta última
questão: quantas crianças jamais viram, de perto, uma vaca (“o leite vem da
caixinha?”), um porco ou mesmo uma galinha? Pode ter certeza de que não são
poucas!
Diante desta realidade, muitas cidades têm
investido no que se convencionou chamar, modo geral, de “hortas comunitárias”.
Essas consistem nada mais do que aproveitar espaços urbanos ociosos (afastados
do tal “fim social”) para, através da coordenação de esforços entre o poder
público e a comunidade, desenvolver em tais terrenos hortas (ou pomares, ou
ainda granjas) que produzirão alimentos mais próximo aos consumidores finais.
Pra não me alongar, vou listar, de modo
bruto, algumas vantagens de tais iniciativas: alimentos mais baratos e
saudáveis, se aplicada a agricultura orgânica; menor perda de alimentos no
transporte; promoção de atividade para pessoas da terceira idade; contato das crianças
com as atividades “rurais”; possibilidade de inserção de atividades práticas
nas escolas (química e biologia, por exemplo, a partir da adequação do solo,
observação do plantio, etc.); recuperação do sentido de convivência entre
membros de uma comunidade, através do trabalho conjunto/coordenado (convivência
perdida nesta época de condomínios fechados e grades nas portas e janelas);
diminuição de terrenos baldios, onde proliferam lixo e contaminação; fim de
locais que servem de “esconderijo” para assaltantes à espera da próxima
vítima... Enfim, é uma lista enorme de benefícios, aos quais cada leitor
certamente poderá acrescentar outros.
Projetos assim não são novidade, é claro:
existem, há algum tempo, em muitas grandes cidades do mundo, como Londres, Porto
(Portugal), Nova York (lá já são mais de 900!)...
Também já as temos em várias cidades do
Brasil, com projetos bastante interessantes e com excelentes resultados. Mas,
ainda assim, é um tema bastante atual. Basta ver que, no prêmio Jovem Cientista
do CNPq deste ano, divulgado no meio do ano, o 1º colocado na categoria Ensino
Superior foi para um estudante de arquitetura da Universidade Federal da
Fronteira Sul (Erechim), com o trabalho “Modelo de agricultura urbana como
inovação no processo de abastecimento de alimentos”.
Mas todas essas iniciativas, via de regra,
carecem não apenas do comprometimento das comunidades.
Antes de tudo, há que existir a iniciativa
dos órgãos públicos, com a aprovação de lei que regule a implantação e o
funcionamento das hortas comunitárias, bem como promova, sustente e estimule a
ideia. No caso dos terrenos privados, via de regra a estratégia é oferecer
descontos ou isenções de IPTU aos proprietários que aderirem ao projeto,
“emprestando” (via comodato) o espaço a ser explorado de forma comunitária.
E aí
que entra o tal jogo do “ganha-ganha”, onde o dono do terreno economiza em
IPTU, nos custos da manutenção do terreno, etc. E isso tudo só depende de
vontade política, através de Projeto de Lei.
Com relação à coordenação e estímulo, se a
ideia for dar a devida dimensão a um projeto deste porte, é preciso designar
uma estrutura (mínima que seja) totalmente focada no objetivo.
O projeto deve prever também a capacitação
das pessoas que cuidarão de tais espaços (as comunidades rurais podem ser
partícipes, com sua ‘expertise’), bem como convênios com outros órgãos (de
quaisquer esferas) para apoio estrutural e técnico. Escolas e universidades,
por óvio, também devem ser chamadas a participar. Mas, antes de tudo, é preciso
reunir interessados (independente de “bandeiras”) para debater e, desta forma,
agregar sugestões que contribuam para uma melhor formatação de um eventual
projeto.
Enfim, o que se propõe aqui não é inventar a
roda, mas sim buscar subsídios onde tais iniciativas já demonstraram todo o seu
potencial, principalmente em uma época onde a alimentação saudável, a segurança
alimentar e o bom convívio social são temas cada vez mais prementes em nível
mundial.
E o interessante disso é que, ainda que
pensando globalmente, podemos fazer nossa parte, agindo de forma local. E com
ganhos para todos!
Comente
este artigo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário