quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Hortas comunitárias, o “jogo do ganha-ganha”



Começo com três perguntas ao leitor:
1) quantos terrenos sem uso você vê quando transita pela sua cidade?;
2) você sabia que, desde a Constituição de 1946, foi normatizado o conceito de “função social da propriedade privada”?
3) você sabe quanto custa ao proprietário manter um terreno ocioso?
Agora, avancemos à questão principal, para a qual busco trazer ao debate neste texto. Em grande parte das cidades, durante seu processo de crescimento populacional, a tendência é de que os espaços mais centrais sejam mais densamente ocupados, seja por áreas residenciais ou comerciais e de serviços.
E que a própria área mais urbanizada vá se expandindo. Consequentemente, aquelas áreas anteriormente destinadas a pequenas hortas, pomares e granjas, produzindo alimentos para consumo próprio e comercialização, vão sucumbindo a esta nova ocupação de espaços. Assim, as áreas produtoras passam a estar cada vez mais distantes dos grandes centros consumidores.
Isso traz, entre outras consequências, um aumento dos custos de transporte (pela maior distância) e mesmo “quebra” de alimentos durante este mesmo transporte. Mais ainda: torna as cidades menos verdes (ou mais cinzentas?), menos permeáveis, menos saudáveis, bem como afastam as populações do convívio com a natureza. Fácil constatar esta última questão: quantas crianças jamais viram, de perto, uma vaca (“o leite vem da caixinha?”), um porco ou mesmo uma galinha? Pode ter certeza de que não são poucas!
Diante desta realidade, muitas cidades têm investido no que se convencionou chamar, modo geral, de “hortas comunitárias”. Essas consistem nada mais do que aproveitar espaços urbanos ociosos (afastados do tal “fim social”) para, através da coordenação de esforços entre o poder público e a comunidade, desenvolver em tais terrenos hortas (ou pomares, ou ainda granjas) que produzirão alimentos mais próximo aos consumidores finais.
Pra não me alongar, vou listar, de modo bruto, algumas vantagens de tais iniciativas: alimentos mais baratos e saudáveis, se aplicada a agricultura orgânica; menor perda de alimentos no transporte; promoção de atividade para pessoas da terceira idade; contato das crianças com as atividades “rurais”; possibilidade de inserção de atividades práticas nas escolas (química e biologia, por exemplo, a partir da adequação do solo, observação do plantio, etc.); recuperação do sentido de convivência entre membros de uma comunidade, através do trabalho conjunto/coordenado (convivência perdida nesta época de condomínios fechados e grades nas portas e janelas); diminuição de terrenos baldios, onde proliferam lixo e contaminação; fim de locais que servem de “esconderijo” para assaltantes à espera da próxima vítima... Enfim, é uma lista enorme de benefícios, aos quais cada leitor certamente poderá acrescentar outros.
Projetos assim não são novidade, é claro: existem, há algum tempo, em muitas grandes cidades do mundo, como Londres, Porto (Portugal), Nova York (lá já são mais de 900!)...
 Também já as temos em várias cidades do Brasil, com projetos bastante interessantes e com excelentes resultados. Mas, ainda assim, é um tema bastante atual. Basta ver que, no prêmio Jovem Cientista do CNPq deste ano, divulgado no meio do ano, o 1º colocado na categoria Ensino Superior foi para um estudante de arquitetura da Universidade Federal da Fronteira Sul (Erechim), com o trabalho “Modelo de agricultura urbana como inovação no processo de abastecimento de alimentos”.
Mas todas essas iniciativas, via de regra, carecem não apenas do comprometimento das comunidades.
Antes de tudo, há que existir a iniciativa dos órgãos públicos, com a aprovação de lei que regule a implantação e o funcionamento das hortas comunitárias, bem como promova, sustente e estimule a ideia. No caso dos terrenos privados, via de regra a estratégia é oferecer descontos ou isenções de IPTU aos proprietários que aderirem ao projeto, “emprestando” (via comodato) o espaço a ser explorado de forma comunitária.
 E aí que entra o tal jogo do “ganha-ganha”, onde o dono do terreno economiza em IPTU, nos custos da manutenção do terreno, etc. E isso tudo só depende de vontade política, através de Projeto de Lei.
Com relação à coordenação e estímulo, se a ideia for dar a devida dimensão a um projeto deste porte, é preciso designar uma estrutura (mínima que seja) totalmente focada no objetivo.
O projeto deve prever também a capacitação das pessoas que cuidarão de tais espaços (as comunidades rurais podem ser partícipes, com sua ‘expertise’), bem como convênios com outros órgãos (de quaisquer esferas) para apoio estrutural e técnico. Escolas e universidades, por óvio, também devem ser chamadas a participar. Mas, antes de tudo, é preciso reunir interessados (independente de “bandeiras”) para debater e, desta forma, agregar sugestões que contribuam para uma melhor formatação de um eventual projeto.
Enfim, o que se propõe aqui não é inventar a roda, mas sim buscar subsídios onde tais iniciativas já demonstraram todo o seu potencial, principalmente em uma época onde a alimentação saudável, a segurança alimentar e o bom convívio social são temas cada vez mais prementes em nível mundial.
E o interessante disso é que, ainda que pensando globalmente, podemos fazer nossa parte, agindo de forma local. E com ganhos para todos!

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