domingo, 17 de maio de 2015

São João do Terror

Há no Brasil, privativamente na cidade do Rio de Janeiro, um tipo de terrorismo sazonal que não é político, não é ideológico, não é religioso nem racial, nada parecido com essas manifestações de violência radical praticadas cá e lá no nosso irrequieto mundo global. É um terrorismo capaz de derrubar aviões de passageiros, explodir refinarias e depósitos de combustíveis, incendiar matas, carbonizar a favela do pobre e a mansão dos ricos, ferir e matar inocentes de todos os gêneros.
Refiro-me ao terrorismo dos baloeiros. Ele ataca preferencialmente na temporada junina, que se aproxima, mas a cada ano vai se tornando menos dependente do calendário e das motivações de sua prática - outrora um costume folclórico que gozava da aceitação geral, dadas as suas dimensões e respectivos riscos bastante limitados. Hoje os baloeiros conspiram em associações clandestinas e máfias, operam na sombra como criminosos, comprazem-se em desafiar a lei e a autoridade policial lançando no ar legítimos artefatos de guerra.
Balões imensos, muitas vezes carregados de fogos de artifício - e mesmo de explosivos! - entraram num campeonato de periculosidade que parece desconhecer extremos. Paralelamente, a capacidade de caçá-los e de prevenir as suas consequências danosas adquire dificuldade progressiva. Policiais e bombeiros ficam às tontas no esforço de dominar uma forma de ataque silencioso e traiçoeiro que parte de lugares escondidos e cuja rota está ao sabor dos ventos e outros fatores aleatórios.
E quem se dedica, tão obsessiva e audaciosamente ao exercício desse terrorismo? Não podemos sequer tachá-los genericamente de facínoras, como dizemos dos incendiários convencionais, sequestradores, traficantes e demais delinquentes pesados, porque embora atuem com os instrumentos e as qualificações do crime, os baloeiros acabam sendo, quase sempre, pessoas participantes do ordinário convívio urbano.
Não são incendiários de tempo integral, com o veneno da predação nas veias, mas personagens contaminados por uma irresponsabilidade destrutiva de hora marcada. Muitos deles chegam a pensar que nada mais fazem do que exercitar um esporte apenas mais radical, interessados em ganhar na competição e não na finalidade deletéria.
Pode ser até gente sem ânimo doloso, porém de maneira nenhuma se trata de gente normal. Há quem contabilize 80 mil baloeiros nos estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo. Oitenta mil que não ignoram o cerco punitivo a que estão submetidos, sobretudo depois da vigência da legislação contra os crimes ambientais. Temos, portanto, uma legião de potenciais predadores da natureza e inimigos da segurança pública cultivando a sua disfarçada anormalidade no meio social que os acolhe como cidadãos insuspeitos.
O noticiário sobre os perigos disseminados pelos baloeiros atinge agora uma tonalidade alarmante. Companhias aéreas internacionais já ameaçam suspender suas escalas no Aeroporto Tom Jobim durante o "São João do Terror". Há um clima de pânico nas áreas e instalações onde as buchas acesas dos balões podem provocar tragédias, atingindo também os moradores adjacentes. Brigadas anti-incendiárias colocam-se em estado de plantão e alerta, órgãos e funcionários da Defesa Civil se mobilizam com procedimentos próprios para situações de calamidade, as autoridades do meio ambiente são acionadas, tudo isso custando trabalho extra e muito dinheiro público.
Um país que queremos ver desenvolvido não pode continuar a suportar esse espetáculo de gratuita e gaiata selvageria. 
Não pode ser simplesmente inviável extinguir os focos de tamanha ameaça, submetendo exemplarmente os transgressores às sanções da lei e da condenação social. E é missão para o ano inteiro e não somente para as vésperas dos ataques incendiários.

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