segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Próstata, tabu e o toque da vida

De repente, vi toda minha vida resumida e confinada em um centro cirúrgico. Mas até chegar lá, vários foram os passos dados. Embora todos os exames preventivos tenham sido realizados e nenhuma alteração mais significativa constatada, o urologista entendia ser o toque o melhor diagnóstico para a prevenção de problemas na próstata. Exame realizado e a solicitação de uma biópsia em vista de pequena calosidade naquela glândula. Adiei ao máximo tal procedimento pois eu não constatava, aparentemente, nenhum sintoma considerável. Eis aí o grande engano de nós leigos no assunto. Mas por insistência das pessoas que me cercam, certo dia resolvi realizar o solicitado exame. Qual não foi a minha surpresa que dos doze microscópicos fragmentos pinçados, um acusava a presença de células cancerígenas em fase inicial. Solução: cirurgia visando eliminar o mal pela raiz. Exames pré-operatórios. Tudo dentro dos parâmetros normais. Foi após tudo isso que me vi, numa manhã de sábado, no centro cirúrgico para realização do procedimento.
Cirurgia não muito complicada mas delicada e que exige do profissional médico perícia e habilidade extras, em vista das consequências que podem advir. A despeito de todo cuidado da equipe médica, após três horas e meia eu já um pouco desperto, reclamei de dores, no que é solicitado ao anestesiologista a aplicação de mais um pouco do anestésico. Assim foi feito. Naquele momento, ouço o mesmo dizendo que eu empalidecia gradativamente. Foram, naquele momento, as últimas palavras que consegui ouvir e entender.
Após longo tempo, ainda no centro cirúrgico e já acordado, fui encaminhado para uma noite na UTI visando total restabelecimento. No dia seguinte, já no apartamento, fiquei sabendo pelo meu médico que havia sofrido uma parada respiratória, talvez em função de alergia à aplicação de mais um pouco da anestesia, o que exigiu intervenções de emergência para o pronto restabelecimento das funções vitais do meu organismo, em especial da respiração.
Diante de todo ocorrido, passei a meditar sobre essa linha imaginária e divisória entre a vida e a morte. E a primeira constatação que o anjo da morte nos inspira é que termina a vida presente com todos os sofrimentos e injustiças que lhe andam associados. Além disso, a morte é justiceira para esta vida onde a injustiça é tão frequente.
Tantas vezes triunfa os injustos, os traidores e fica vencida a honra e a dignidade e assim muitos se desesperam. Mas quando nos pesarem as inúmeras injustiças desta vida terrena e passageira, é salutar irmos até ao cemitério, até ao meio dos mortos silenciosos e num momento se apaziguará o nosso coração rebelde.
Sim, a morte é justiceira! Diante dela nada vale a pompa, o orgulho, o desprezo pelos menos favorecidos, a insensatez, a ganância e muito menos a posição que se ocupava na hora derradeira. Não há possibilidade de a subordinarmos ou subornarmos com dinheiro nem com sorrisos. Diante dela nada vale as proteções, as vênias e a formosura.
Talvez muitos conheçam a velha lenda alemã, referente aos sinos de Espira: “Morreu um pobre – assim reza a lenda – e começou a soar na torre o grande sino imperial, que somente costumava tocar na morte dos imperadores. O povo exclama: morreu o imperador, morreu o imperador. Mais tarde, morreu de fato o imperador, que então era Henrique V, e então, só se ouviu o sino pequeno e todos perguntavam: quem será o pobre pecador que hoje compareceu perante o tribunal divino?” Não é difícil compreender o fino simbolismo desta lenda.
Que justiceira é a morte! Diante dela desaparecem todas diferenças terrenas, porém, manifesta-se a diferença verdadeira, que é o valor espiritual. Desta maneira, a morte nivela as grandes desigualdades humanas. É ela que nos coloca frente a um juiz a quem não se pode subornar. Pouco importa que tenhamos tido posição elevada ou humilde, que tenhamos sido ricos ou pobres, descendentes de nobre linhagem ou deu ma família sem bens e humilde, imperador ou mendigo. “Nada trouxemos para este mundo, nada, também, dele poderemos levar.” E cabe ao ser humano, limitado como é, muitas vezes adiar um pouco mais essa imutável realidade. Podemos, também, evitar sofrimentos acreditando na habilidade de um profissional da saúde, que é capaz de transformar a ideia sobre a prevenção de uma doença que assola e ceifa vidas de homens em virtude do conceito errôneo e o preconceito machista e ignorante de não compreender que o exame de toque nos traz a possibilidade de prorrogarmos e aproveitarmos muito mais a vida que nos foi concedida de graça pelo Criador.


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