terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Dedique um tempo para sentir o perfume das rosas

Intrigante, numa primeira e rápida passada de olhos. É o mínimo que se pode dizer do editorial “Take Time to Smell the Roses” (qualquer coisa tipo: Dedique um Tempo para Sentir o Perfume das Rosas), publicado no boletim ENSO Signal, volume 17, maio de 2001. Com uma leitura um pouco mais atenta, talvez se conclua que esse, além de interessante, é muito pertinente, para quem, de uma forma ou de outra, se encontra envolvido com atividades científicas.

    O citado editorial é assinado por Michael H. Glantz, sociólogo, pesquisador do National Center for Atmospheric Research, sediado em Boulder, Colorado, EUA. Trata-se de uma reflexão sobre a sua vida pessoal e profissional, principalmente, mas que pode ser extrapolada e acaba encontrando identificação fácil em muitos de nós.

    As reflexões do Dr. Glantz foram despertadas, segundo ele comenta, durante uma viajem a Bancoc, por um cartoon. Tipo estes publicados diariamente em jornais, que captam com facilidade nossos sentimentos e percepções da realidade, quando não a própria realidade. O desenho em questão mostrava um homem na sua mesa de trabalho, com uma pilha de papeis. Atrás dele, um armário estufado de papeis. Pelo chão, papeis e mais papeis espalhados.
E a legenda: “I'm giving up trying to get ahead, so I can concentrate on slowing down the rate at which I'm falling behind". Digamos, não literalmente, algo como: “Eu estou desistindo de tentar andar sempre na frente, para poder me concentrar naquelas coisas que estão fazendo com que eu fique para trás".

    A cena descrita acima pode ter muitos significados. Cada um que pegue o seu. Pessoalmente, compartilho com o Dr. Glantz o sentimento que, quando se e olha demais para o futuro, acaba-se esquecendo de pensar/viver o presente. Reflexões deste tipo podem se aplicar muito bem tanto a nossa vida pessoal quanto profissional. E a relevância que damos a esse tipo de frase depende muito, é claro, do nosso estado de espírito no dia que nos deparamos com elas.


    Não há dúvidas de que todos que estão envolvidos com pesquisa científica, e exercem a atividade com um mínimo de seriedade, buscam, no fundo, somar algo ao conhecimento existente. E fazer qualquer diferença na ciência, hoje, por menor que essa seja, não é tarefa simples. Poucos conseguirão, apesar de muitos gastarem toda uma vida profissional buscando isso. E é essa busca por querer acrescentar alguma coisa ao conjunto do conhecimento vigente que caracteriza a atividade científica como orientada para o futuro. Com isso, surge o problema: muitos exageram tanto nesta tal orientação para o futuro que acabam não percebendo direito o presente. Não conseguem, por exemplo, acompanhar o estado atual do conhecimento. Terminam isolados cientificamente. E, por uma mera incapacidade de síntese do presente, invariavelmente, ficam para trás. São superados, ou, quando muito, reinventam a roda.

    Acompanhar, ou melhor, tentar acompanhar o estado-da-arte da produção científica em qualquer área do conhecimento exige uma dedicação que poucos mortais estão dispostos a se sujeitar. Há tanta informação disponível que se tornou humanamente impossível ler tudo sobre um determinado assunto.

    O ponto crucial é que se acaba, muitas vezes, realizando pesquisas que já foram feitas. Originalidade, apesar de ser um pressuposto na ciência, é coisa rara. De fato, muitas vezes, o que há é um gasto de tempo, de recursos escassos e desperdício de potencial humano. O desafio é como retomar o controle desta situação. Pois, ninguém tem dúvida, que a pesquisa científica continuará com o seu foco no futuro (inovação). Porém, esta orientação para o futuro não descarta um olhar para o passado e, muito menos, uma visão panorâmica e de síntese do presente.

Comente este artigo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário