domingo, 23 de novembro de 2014

Conversa para boi nanar

Muitas primaveras não fazem - muitos invernos, também! - a corrupção, do latim "corruptione", o ato ou efeito de corromper, era um pecado em si mesmo. Nenhuma pessoa definia a acepção, mas também a absolvia. Ninguém dava colher de chá. Ela era execrada, quase sacrílega, e os corruptos eram exibidos ao ódio popular. Era assim e pt saudações!

Caso houvesse certo encantamento com o berço do Partido dos Trabalhadores, nascido na cabeça de alguns filósofos e sacramentado nos portões das montadoras de automóveis na região do ABC paulista - e, por certo, havia - era a repugnância incisivamente manifesta pelo partido da estrela solitária contra o demônio da corrupção. 

Jovem, barba cerrada, testa encrespada, cara de poucos amigos, exsudando aparente indignação, Lula malsinava as maracutaias. Dizendo-se patrono da moralidade, parecia que o inconteste líder do PT - mas apenas parecia, desgraçadamente! - lideraria de fato uma novíssima agremiação partidária disposta a denunciar e a exterminar a ladroeira e a rapina, exercícios teimosamente usuais na terra brasilis a partir do desembarque de Cabral e da malfadada carta de Caminha. Era lógico que esse novo ente político assim travestido captasse a simpatia da juventude e logo o apoio de milhões de brasileiros, afadigados da maranha comum.

Em 2002, após três tentativas frustradas - uma contra Collor e duas contra FHC - Lula é eleito chefe da nação. Oba! O PT agora é governo. O demônio da corrupção será expulso do país. Com ar assustado, mas com a esperança n´alma, crente no feroz combate à corrupção, o Brasil aguarda a faxina prometida. E o que deu? Desilusão geral! Para desagrado dos brasileiros de boa fé, a corrupção granjeia agora nova roupagem, um novo olhar. Mais grave: uma nova ética.

 O conceito se flexiona. Se contorce. Se relativiza. De início, refuta-se a ladroeira e a rapina; logo se apequena a dimensão do bailarico. Gente! O dano não era tão extenso como pensavam as oposições e a mídia, asseveram os cardeais petistas.

No caso do mensalão - aliás, já os chefões em liberdade! -, que escandalizou a nação pela ousadia e pela dimensão do golpe financeiro, embora com aversão, se considerou o buraco negro de milhões de reais surrupiados, mas era simples desvio de comportamento pessoal de alguns ingênuos companheiros, ou se hospedou o fato do malfeito, todavia o todo, isto é, o PT, não poderia ser infectado pela minoria negligente. Por óbvio, Lula desconhecia o fato; a afilhada, também!

Mas não ficou só aí. Utilizou-se, ainda, o pretexto caradura de que "todos fazem malfeitos". A turma do PSDB fez, disseram. Descaradamente, eles, os tucanos, ocultavam os malfeitos sob o tapete. De 2002 a 2014, em 12 anos de hospedagem no Planalto, o PT repisou exaustivamente a arenga da ladroeira e da rapina na era FHC. Mas o que fez o PT? Nada. Não fez nada, absolutamente nada, para prová-la - se é que realmente existiu! -, e muito menos para levar os possíveis réus às barras dos tribunais. 

A baboseira contra a corrupção era menos árdua. Melhor: era, eleitoralmente, uma inesgotável fábrica de votos!

Na mais descocada das explicações, dita em voz sussurrante, quase pudibunda, afirma-se que os malfeitos, as maracutaias, no dizer das lideranças petistas, são, entrementes, praticados por um governo preocupado com os pobres, que faz justiça social e que promove a distribuição de renda. Desconsidere-se, portanto, a roubalheira nos ministérios, na Petrobras, no Banco do Brasil e outros órgãos governamentais. É corrupção? É, sim. Mas a corrupção do bem. A corrupção virtuosa. E, se virtuosa, deve ser absolvida. E, porque não, enaltecida!

É a causa do PT, pois, que orienta, de fato, a ética. Não o contrário. Lembro o célebre Maquiavel. O bem que se acossa inocenta a roubalheira, a rapinagem, a lambidela, as selvagens investidas predatórias à burra da viúva. Como as finalidades são nobres e justas - caramba! - urge fazer olhar de paisagem para a ilegalidade dos meios. Imaculada e altiva, a ótica vigente é a de que os fins, não interessa se positivos ou negativos, se bons ou maus para o país, justificam os meios. Salve Maquiavel!

Tema que retorna à liça política, em meio a todo o escândalo do petrolão, talvez até mesmo para distrair a opinião pública, a reforma política é piada para morrer de rir. É conversa para boi nanar. É lero-lero inconsequente. Sem proselitismo, ninguém vencerá a carência de vergonha na cara definhando e tornando palatável, em nome de intenções virtuosas, a roubalheira que faz do erário público a sua guaiaca singular. 

Per Bacco! Enquanto caminho nas areias brancas da praia de Jurerê, penso cá com os meus botões: não rapinam para auxiliar os pobres; rapinam, isso sim, para se eternizar no poder.



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