terça-feira, 18 de novembro de 2014

Abuso de poder

Especialistas relacionam o abuso de poder com complexo de inferioridade, que pode estar ligado a uma cena primária do abusador

O poder pode ser dado ao homem por meio de diversos canais, como dinheiro, conhecimento, status familiar, profissional, dentre outros. Mas, existe um limite para se exercer o poder?
Para a professora-doutora Purificación Martin Abuli Miceli, do Departamento de Psicologia da Universidade Católica de Goiás, uma das características básicas do ser humano é a vaidade, ou seja, um desejo imoderado de merecer a atenção dos outros e de receber reconhecimento e elogios. Ela acrescenta que, no entanto, a vaidade passa a ser negativa e prejudicial quando exacerbada, "pois domina o indivíduo e por vezes, o torna irracional e impulsivo". Argumenta ainda, que os vaidosos em potencial são seres que precisam de autoafirmação como poderosos, para se destacar em seu meio de alguma forma. 
Há os que se deixam influenciar, dominar pela vaidade, considerada um dos sete pecados capitais em algumas religiões. A especialista define que esses indivíduos costumam se apoiam naquilo que têm de melhor em suas vidas, seja a sua beleza física, o seu dinheiro, o próprio status social ou a profissão que lhes coloca em cargos superiores. Utilizam-se desses recursos, de mera aparência, que funciona como um escudo que os protege de sua própria fragilidade e, aparentemente, para se agigantar perante os mais fracos de condição, determina Martin.
A pessoa que abusa de poder,acreditam os especialistas ,veem no outro aquilo que ele não quer ser, mas, que no fundo ele é. O que configura o abuso de poder sempre é a necessidade de se sobressair, de mostrar que tem um poder, uma competência, além do que se espera.
"Na verdade, eles não admitem o próprio erro, uma vez que denuncia o lado que não querem acessar. Tornam-se por vezes fúteis, presunçosos e soberbos. Um dos alicerces que sustenta a vaidade exagerada ou desmedida é o "abuso de poder", atitude essa que leva a subjugar pessoas que estejam, por alguma razão, num patamar inferior. Somente assim podem afirmar a sua superioridade, que não deixa de ser um complexo de inferioridade que pode estar ligado a uma cena primária de sua vida: ele estar sendo subjugado por uma autoridade suprema", avalia.
Martin analisa que tudo isso é passível de ser fruto de uma infância mal vivida, sem muito valor, sem sensação de aceitação por parte do outro, fruto provável do sentimento de menos valia ou de revolta por punições constantes que o subjugaram. "Neste caso, seria uma vingança voltada para o mundo. É claro, podem existir outras variáveis interferindo neste comportamento humano", reconhece.
Igualdade perdida
Como exemplo desse tema, temos o caso acontecido em 2011 – com repercussão recente nos jornais – entre um juiz e uma agente fiscal de trânsito. Em fevereiro de 2011, o juiz, João Carlos de Souza dirigia um carro sem placa, sem documentação e não estava com a habilitação quando foi parado pela, hoje ex-agente do Detran, Luciana Silva Tamburini, de 34 anos, em uma blitz da Operação Lei Seca.
 A ex-agente informou que o carro deveria ser apreendido e levado para um pátio do Detran (Departamento Estadual de Trânsito), mas o juiz exigiu que o veículo fosse para uma delegacia. Em resumo: o juiz disse que houve deboche por parte de Luciana por ela ter dito que ele era "juiz, mas não Deus". Ela alegou abuso de autoridade por parte dele. Conclusão dos fatos: o Tribunal de Justiça do Rio, por decisão do desembargador José Carlos Paes condenou Luciana a pagar R$ 5 mil ao juiz como indenização por danos morais.
Sobre o caso a psicóloga, Purificación Martin acredita ter havido abuso de poder, uma vez que, a lei é para todos e deve cumprida por todos. "Se alguém está fora da lei tem que achar uma maneira de cumpri-la e não desacatar o outro, seja quem for. Ela estava em uma função o juiz estava como passageiro de um veículo, na função de motorista, se alguma coisa estava falha tinha que ser corrigida. Neste caso, podemos constatar a violação dos Direitos Humanos que fere a ética do cidadão, uma vez que a lei deveria ser a mesma para todos independente da diferença de cargos, caso contrário fere a nossa constituição", explica.
Para o especialista em ética, Will Goya, do ponto de vista ético e pelo olhar crítico da filosofia, não há qualquer novidade em se dizer que houve alguma injustiça cometida pelo judiciário, pelo legislativo ou por meio do poder executivo, em quaisquer instâncias, do municipal ao federal. "Desde que o mundo é capitalista, que eu saiba, o poder sempre contou com o amparo legal para garantir a ilegitimidade e a imoralidade. Tolice achar que a lei é igualmente aplicada para todos. Quase nunca o foi", considera. 
Considerando o que fora considerado pelo filosofo Will, Martin reafirma que vence quem tem razão e isso vem, pela história da humanidade, sempre acontecendo, "o mais poderoso subjuga aquele que não é tão poderoso. Só que esse é um grande erro, nós temos que parar para pensar". Para a psicóloga, não é o poder que corrompe o ser humano, mas sim, este que o utiliza como um suporte poderoso para esconder seus próprios problemas. "Um erro não justifica o outro, cada um tem que pagar pelas próprias falhas e a lei é igual para todos", conclui.
"Tolice achar que a lei é igualmente aplicada para todos. Quase nunca o foi”.
 Will Goya, filósofo clínico e professor com especialização em ética
Ele é mais comum do que muitos imaginam
O abuso de poder, define a psicóloga Purificación Martin, é uma coisa que está de alguma forma inserida nas pessoas que precisam de destaque. O destaque ela esclarece é uma necessidade de se sentir aceita pelo mundo e, às vezes, a pessoa o usa de uma forma errada quando exageram. "A gente ver vários exemplos de pessoas que estão subjugando outras pessoas para elas poderem ter esse destaque, é uma maneira vaidosa de acontecer na vida e de si sentir grande, poderoso", confirma.
Que o diga o gerente Juliano Tacassi, 31 anos. De acordo com ele, há dois anos e meio, quando trabalhava em uma empresa de telefonia móvel, sofreu um caso de coação por abuso de poder. Ele diz lembrar, como se fosse hoje, como tudo se passou: uma cliente vinda de outra cidade aderiu a um plano de telefonia e após todo o processo de fidelização a cliente revelou não ter dinheiro para pagar o aparelho telefônico.
Diante da situação que já se mostrava embaraçosa, Juliano informou para a cliente voltar depois, em até cinco dias para concluir o procedimento. Ela não confirmado o processo dentro do prazo estipulado. Apareceu na loja vinte dias depois ao lado do pai, pedindo para cancelar o plano o que não era possível, pois devido o tempo já havia sido gerada uma fatura. "Ela voltou com o pai que pediu para cancelar o plano, ao informá-lo que não era possível porque o tempo havia expirado, de um momento para o outro, tirou a carteira da OAB do bolso e jogou no meu rosto exigindo que o plano fosse cancelado porque ele era advogado", lembra.
Surpreso, Juliano informa ter tentado estabelecer um diálogo com o homem. "Disse para ele que não esperava que ele fizesse isso pelo fato dele ser um conhecedor da lei e diante daquela situação dramática haviam câmaras que tinham registrado tudo o que ele havia feito", narra. Juliano disse ter se sentido humilhado e o advogado saiu impune.
Recentemente, já em outro emprego no qual ele já estava há dois anos, Juliano diz também ter passado uma situação que considera abuso de poder. Nesta empresa onde ele exerce a função de gerente, na última segunda-feira (10) ele foi obrigado arrancar todo o mato da frente da loja.
Ele explicou à reportagem que a gerente regional ao chegar ao estabelecimento e ver o mato o questionou o porquê do lugar não estar limpo. Ele teria respondido que devido a correria não teve tempo de solicitar a limpeza. Neste momento, sua superior teria o interpelado: – Qual sua atitude, não deveria ter feito o serviço?
Ele respondeu que irá providenciar a limpeza da frente da loja. Não satisfeita, a gerente regional o intimou a realizar a tarefa, ele mesmo. Juliano diz que mesmo se sentindo humilhado pegou dois sacos de lixo vazios e luvas e foi para a frente da loja fazer o serviço que não correspondia a seu cargo. "Naquele momento me senti profundamente humilhado, não que o ato de tirar o mato não seja um trabalho digno, mais sim pelo abuso de poder que sofri", protesta.
Diante da situação polêmica, Juliano resolveu sair da empresa e analisa a possibilidade, desta vez, de não deixar passar em branco o abuso de poder que sofreu. 
Outros casos
No inicio desde mês, numa quinta-feira (6) em um prédio, na zona norte de São Paulo, uma câmara de segurança instalada no elevador registrou o momento em que uma mulher agrediu um menino de nove anos, portador de necessidades especiais. O garoto recebeu uma sequência de socos e chutes da vizinha de apartamento. 
O motivo da agressão teria sido pelo fato do menino, ao chegar da escola, ter batido no vidro da portaria para pedir a chave de seu apartamento. Conforme testemunhas, a vizinha se incomodou com a atitude e começou a agressão.
A psicóloga Purificación Martin descreve o excesso de abuso de poder cometido pela agressora.  "Primeiro era uma criança e mais grave com uma deficiência, ela jamais poderia fazer isso, esse é um abuso de poder porque é um adulto fazendo isso com uma criança indefesa".
Um auxiliar de produção de 24 anos, morador de Londrina (PR), receberá R$ 5 mil de indenização por danos morais. O jovem era constantemente humilhado por seu superior por causa de uma lesão na vista, conhecida como pinguécula, que deixa o olho vermelho. Ele era chamado pelo superior de "maconheiro". A empresa recorreu da ação, mas o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR) manteve a sentença por entender que o dano resultou de ato de seu superior hierárquico, e não de "mero colega de trabalho".


Comente este artigo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário