quarta-feira, 23 de julho de 2014

Saber dançar



Deparei-me uns dias atrás com o seguinte provérbio islandês: “Para dançar é preciso mais que um par de sapatos    bonitos”. Chamou-me ele a minha atenção pela sua singularidade. Fugia, no meu modesto modo de entender os provérbios, a lisura proverbial. Ele escondia algo intrigante!
Aos poucos o intrigante, na medida que o conteúdo nele anunciado aparecia sempre mais claro, ficou restrito mais na sua parte formal. Em termos de conteúdo, o que ele tem a proclamar?

Valoriza-se na cultura hodierna demasiadamente a dimensão do “material   ” em detrimento da dimensão “espiritual”, a dimensão do “natural” em detrimento da dimensão do “sobrenatural”, a dimensão do “transitório” em detrimento da dimensão do “eterno”. 

Quando tenho mais “materialmente”, então posso mais “naturalmente” e, por isso, aproveito-me mais do “aqui e agora”. É a idolatria do ter mais em vez de ser mais, do poder mais em vez de servir mais e do se aproveitar mais em vez do se doar    mais. Chega-se à ilusão que a felicidade consiste no simples ter mais, para poder mais, para se aproveitar mais!

O provérbio islandês mostra claro que a dimensão do “material”, a dimensão do “natural” e a dimensão do “transitório” não é tudo. É preciso o envolvimento humano-divino como todo, logo   , também a dimensão do “espiritual”, a dimensão do “sobrenatural” e a dimensão do “eterno” devem ser contempladas. A pessoa humana, por ser criada “à imagem e à semelhança divina” é “matéria” e “espírito”, é “natureza” e “sobrenatureza”, é “transitoriedade” e “eternidade”. Sua realização plena só concretiza-se quando todas as dimensões são atendidas.

Acresce-se a este grande conteúdo um pequeno aspecto a mais que o provérbio deixa transparecer:
“É preciso mais que um par de sapatos bonitos para dançar” significa cultivar atitudes pessoais humano-divinas como a disciplina, o empenho, o exercício e a arte. Como faltam estas atitudes hoje! Elas exigem envolvimento contínuo    e total.

 Continuidade é algo estranho numa cultura atual de descontinuidade e totalidade é algo estranho numa cultura atual de parcialidade. Tudo é descontínuo    e parcial... peculiaridade do mero “material”, do mero “natural” e do mero “transitório”. Mas com isso acabamos de não “dançar”: o gozo de uma realização humana plena.

Aprender a “dançar” precisando mais que “sapatos bonitos”: eis o desafio do mundo hodierno!

por Dom Jacinto Bergmann.

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