sábado, 14 de setembro de 2013

As diferentes faces de Dom Pedro I


O Brasil se tornou um país independente ainda sob o signo de uma sociedade tradicional, patrimonialista, latifundiária, conservadora e escravista. Nos anos que se seguiram, entre 1822 e 1840, o país viveu em permanente instabilidade política e praticamente não se fizeram sentir mudanças de alcance significativo no plano social e econômico.
Na primeira década da nossa vida independente, destacou-se a figura do proclamador da independência, D. Pedro I, um homem, segundo muitos historiadores, “ambíguo em um mundo de referências ambíguas”. Pedro tinha 23 anos quando liderou o processo de independência do Brasil.

Formado em uma corte exilada, com pais que nutriam mútua suspeição e em meio a grandes disputas, jamais se submeteu a uma autoridade política. Desobedeceu ao Parlamento brasileiro, às Cortes de Lisboa, às determinações de seu pai, D. João VI, e aos seus conselheiros mais próximos. Nutria uma profunda desconfiança em relação aos que o rodeavam. Seus atos na vida pública ou privada eram, via de regra, resultado de algum sentimento de responsabilidade.
 As disputas em torno do seu legado, fizeram com que fossem pintados retratos que, ou o apresentavam como vilão ou como herói. Sua imagem pública, ainda hoje, divide os historiadores que se debruçam sobre sua biografia. De todo o material emerge uma figura controvertida.

Ora aparece como valoroso liberal, lutando pelos princípios constitucionais, ora como monarca absolutista, incapaz de compreender opiniões e reivindicações dos súditos. D. Pedro, em muitas biografias, é apresentado como um homem de impulsivas paixões, de espírito romântico, volúvel e sem uma educação refinada. É, igualmente, apresentado como um homem dividido entre duas pátrias: a de nascimento, Portugal, e aquela em que viveu entre 1808 e 1831, o Brasil.
 Isto fez com que ele criasse raízes profundas de um e de outro lado do Atlântico. Daí o grande simbolismo que adquiriu a repartição de seus restos mortais entre os dois países.

Desde 1835, seu coração está depositado em relicário na Igreja de Nossa Senhora da Lapa, na cidade do Porto. E a partir de 1972, por meio de acordo diplomático luso-brasileiro, os demais restos mortais foram trasladados para a cidade de São Paulo e colocados na cripta do Monumento do Ipiranga, às margens do famoso riacho.
Também é preciso lembrar do D. Pedro autoritário, político personalista e incapaz de superar o ranço absolutista. Isto fez com que ele adotasse medidas de força, atuando como um monarca autoritário, disposto a impor suas posições e seu poder.
Após a declaração de Independência e da coroação como imperador, teria ordenado que tropas sob seu comando fechassem a Assembleia Constituinte em 1823, outorgando uma Carta Constitucional, no ano seguinte, que contrariava reivindicações de vários segmentos da sociedade.

Na verdade, entre uma memória que exalta e outra que só deprecia, segundo a historiadora Cecilia Helena Salles Oliveira, “perde-se a possibilidade de compreender D. Pedro como político, que muitas vezes atuou de modo incoerente, movido por razões, pressões e sentimentos múltiplos, vendo-se diante de decisões cujas consequências não podiam ser previamente determinadas, pois estavam inseridas no movimento revolucionário – aberto pela independência das 13 colônias da América e pela Revolução Francesa.” É preciso considerar, portanto, que D. Pedro viveu e morreu em um mundo que se transformava profundamente.
No início do século 19, com a derrocada de Napoleão Bonaparte, a Europa se reorganizava politicamente, e não havia unanimidade sobre os caminhos a serem seguidos. De um lado, os setores tradicionais derrubados pela Revolução Francesa e pela expansão napoleônica procuravam restaurar seus antigos privilégios, agora chamados de “absolutistas”. Era o caso da monarquia austríaca, de onde veio sua esposa, e da portuguesa.

De outro lado, setores médios e forças políticas que ganharam espaço na nova ordem, estimulados ainda pela novidade do nacionalismo, tentavam assegurar suas liberdades por meio da implantação de regimes constitucionais ou de guerras de independência – caso dos liberais lusos e espanhóis e dos independentistas gregos.
Também é necessário resgatar que D.Pedro foi um homem que se envolveu com as letras e as artes. Leu Voltaire, Benjamin Constant e Edmund Burke, nomes fundamentais da filosofia política entre os séculos 18 e 19. Portanto,estava longe do estereótipo de ignorante, degenerado e doente que lhe coube. Mais interessante do que condenar, absolver e fazer uma caricatura de um personagem histórico é certamente tentar compreendê-lo em sua densidade, divisando nuances e contornos que o tornam fascinante.
 Assim é que construímos a base e a consciência crítica de uma nação. Não transformando personagens da história em mitos inatacáveis, coisa comum nestes pagos.
 
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